terça-feira, 16 de junho de 2015

[O QUE SERÁ É]


O que será é. Mal resolvido no coração que não dá vasão ao medo. Perguntas em som de pêndulo, dúvidas com peso de perdas. Sem saber o que é, com uma leve impressão do que tenho nas mãos, sigo vivo. Divido sonhos com o resto da população. Tomamos o mesmo coletivo, nos cruzamos pelas calçadas, trocamos dinheiro por ítens básicos para a sobrevivência. No caminho pro meu destino, meu olhar altivo se coloca do lado do olhar perdido desse que segura as barras de mãos ao alto, rendido à rotina e à luta diária. Minhas dúvidas, penso, brilham em letreiro na minha testa. Se aproxima quem não tem pressa, se achega quem se identifica. Não saber não implica. Quero no no fundo, ser um pouco igual à todo mundo. Descer, caminhar, abrir a porta do destino, fazer o caminho existir e contar.

Quero a minha parte desta terra imensa, de tantos donos, que segue injusta na mão de poucos. Tolo eu que me pergunto ainda, que não durmo diante do silêncio, que não calo na boca do alvoroço, que choro afogado na enchente.  Um furo de bala rompe a noite na fotografia do jornal de amanhã. Cachaça é pra quem tem coragem. A mim, basta um gole. Rasgo o peito na vala funda de um amor de muitos quilômetros de memória e distância. Rasgo a garganta com a fumaça que acortina e revela. Rasgo a página que trata o próximo como número. Eu também, um número. RG, CPF, oito dígitos de um telefone móvel, o vigésimo terceiro na fila do banco. Aqui, esperando chamarem meu nome, meu peito grita o teu.

A única coisa que sei de antemão, diante da minha confusão, é que a certeza da humanidade do mundo se figura em mãos dadas. Amor que passa pelas extremidades dos dedos. Energia que se faz em corpo. Corpo que se faz em espécie. Espécie que se faz em ser espírito sobre duas pernas, vivendo o mundo terreno, se afogando em beleza, explodindo em exaspero, marejando; mesmo sem tristeza.


Arte: Henrietta Harris
Texto: Eliza Araújo e Raquel Medeiros